Inicialmente contei com a ajuda parceira da catarinense Sirlei, voluntária vinda em missão, de extrema simplicidade, uma jovem cheia de bondade e desprendimento para todos, trazendo consigo o nobre e grande ideal de servir. Nela encontrei a amiga, a companheira, dividíamos as nossas esperanças, as nossas conquistas.. Juntas, seguíamos a cada pedaço de chão dessa terra, sendo a nossa coragem, o nosso guia. A cada caminho andado e descoberto, novas questões surgiam, quando as mais comuns, entre os humildes lavradores, era a ignorância dos seus direitos e a ausência dos documentos das suas terras. Foram vários meses, nessa jornada diária de reuniões, contatos e encontros questionando a importância da classe trabalhadora, fazendo o levantamento dos problemas principais do homem do campo.
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Visitando às comunidades rurais |
Seguíamos todas as manhãs, carregando uma marmita, ou coisas simples, como o pão, biscoitos, frutas, que geralmente dividíamos, porém muitas vezes, servíamos o único alimento às crianças e, às vezes, a algumas paupérrimas e humildes famílias existentes. Nas localidades, roças, povoados conflitados na ocasião, o distrito de São Miguel foi o alvo das questões agrárias, atingindo o maior número de posseiros, a exemplo do Sr. Pedro Gomes, conhecido Pedro Coice, e familiares que, até os dias atuais, temos conhecimento de que ainda recorrem à justiça. Ainda trago na lembrança a imagem daqueles olhares confiantes daqueles rostos marcados, queimados do sol, semelhante às rachaduras da terra seca e escura, daquelas mãos calejadas da enxada, aquelas mulheres, algumas tão moças ainda, cujo filho a sugar-lhe o peito, a carregar outro no ventre e ainda um maior a puxar-lhe a saia. Porém aí, a gente encontrava o sentido da verdadeira felicidade, a emoção se repetia a cada encontro, naquelas tardes, debaixo das árvores, à sombra da casa, a cantar:
Oi que prazer que alegriaO nosso encontro de irmãos,Sereno da madrugadaGostosa é a nossa união.
A UNIÃO FAZ A FORÇA
A nova consciência dos trabalhadores, mediante a grande questão que os ameaçava, lhes fez acreditar na força da união, para conquistar os seus direitos e enfrentar o adversário. Dessa forma, em cada localidade surgiu verdadeiros formadores de opinião, animadores que numa linguagem de igual para igual, através de relatos, do saber ouvir, sensibilizavam a todos. Geralmente, se valiam de cantorias e de repentes como...
O povo reclama que é explorado,Mas o povo mesmo que é o culpado,Porque só reclama e fica parado,Não pode haver guerra,Com um só soldado.
Só tenho a enxada e o título de eleitor,Para votar em seu fulano educado,Que nada faz pelo pobre lavrador,Que não tem terra pra fazer o seu roçado.
Nos dias de feira, concentrava-se o maior número de lavradores, cerca de duzentos, trezentos, para avaliação, novas informações, esclarecimentos, contatos com outras comunidades. Na ocasião já contávamos com a presença da Federação dos Trabalhadores da Agricultura na Bahia (FETAG) através do assessor Dilermando, a quem muitos devemos pelos memoráveis serviços prestados, quanto à organização da classe, acompanhando em todos os processos na criação do Sindicato, propiciando o trabalho dos advogados, na realização de documentos dos posseiros, na resolução dos conflitos de terra, estabelecendo os devidos contatos com a CONTAG, com a Superintendência da Reforma Agrária e outros órgãos.
Por várias vezes, fomos considerados nessa luta, como comunistas, por pessoas que não eram capazes de compreender a importância deste trabalho.
Finalmente, chega o dia mais temível, a impressão é de que algo de muito grave estava para acontecer; porém, a comunidade mobilizada reuniu grande número de pessoas e partiram em caminhões lotados, carros, carroças, com destino à cidade de Saúde. Lembro-me como se fosse hoje, vi Caldeirão Grande vazia em silêncio, era uma manhã muito quente, de vinte e um de dezembro de 1980.
Armados de tudo que mais verdadeiro possuíam, o que pudesse provar que vivem na terra, no seu pedaço de chão, crianças, animais, instrumentos de trabalho, assim entraram a pé, lotando a Praça principal, a Igreja, a cidade toda tomada pela multidão dos quatro cantos, ouvia-se o clamor:
“O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO"!
Algumas comunidades vizinhas estavam presentes, através da Pastoral da Terra. Apenas as pessoas citadas e advogados penetraram no Clube de Saúde, o local da realização da audiência, enquanto todos ficaram a aguardar as notícias, que logo começaram a chegar. Em instantes, ficamos sabendo de que o adversário em vista da situação intimidou-se e retirou-se do recinto. A audiência fora suspensa, sendo adiada para outra data.
Dessa forma, o processo foi rolando ao passar do tempo, à medida que os posseiros foram organizando os documentos de posse de suas terras. Outra grande questão de terras explodiu em Ponto Novo, na região da Fazenda Pajeú, Contendas, Represa, Angico, Várzea Grande, áreas de terras devolutas, pertencentes aos herdeiros de Dona Iazinha do município de Jacobina.
Por vários anos, a população das terras conflitadas, conviveu com o sofrimento, pela falta de segurança, inúmeras ameaças, invasões e violência. Esse drama durou até acontecer a desapropriação das terras, seguindo do Decreto da Reforma Agrária, publicada em Diário Oficial, pelo então Presidente da República José Sarney.
Em meios a várias ocorrências e questionamentos, registrou-se um grande marco na história do homem do campo de Caldeirão Grande: A criação do SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS, em 22 do mês de dezembro de 1980.
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