terça-feira, 12 de junho de 2018

REVIVENDO


Erguendo-me, a seguir procurei aproveitar um pouco mais do fantástico momento, apreciando os matizes das cores do céu. Ao desaparecerem os últimos raios do sol, que com certeza, para quem dá as mãos à natureza, nessa hora sublime do ocaso, pode encontrar a paz e harmonia necessárias para tocar à frente a vida repleta de problemas e desencontros.

Tento a todo custo, alcançar a visão do horizonte, infelizmente, devido ao espaço vazio que restou da antiga casa do conhecido Seu Macário, tendo sido esta demolida, porém eternizada em tela a óleo, por nosso talentoso pintor Juarez Soares, que a reconstruiu em desenho para que não a perdêssemos da memória e por fazer parte do nosso patrimônio histórico.
Antigo Casarão, na Rua  da Matriz, residência do Sr. Macário
Tela a óleo do pintor caldeirãograndense Juarez Soares Pereira.
(foto: Hok Pay)
A tarde vai morrendo e as estrelas, uma por uma, vão pontilhando a imensidão do infinito; cintilam no céu, numa faustosa saudação à noite que finalmente chega. E de onde me encontro dá para contemplar toda a rua, suas casas enfileiradas com as portas e janelas abertas, de onde exala um cheiro forte de café. Certamente, muitos estão ligados à novela das seis ou reunidos em família. Alguns estão voltando do trabalho, enquanto que outros seguem para a escola da noite.

Chegando até a casa junto à Igreja, a esta hora, encontrará Tia Bebé e Tia Zinha em fervorosa oração, momento da benção da água do padre Alberto, pela televisão. Elas, habitualmente, têm horário para o terço, rosário, ladainhas, jaculatórias, trezenas e novenas, recitadas tudo de cor, gravado na memória, rezando por tudo e por todos, pela paz do mundo inteiro, pelos vivos e pelos que já se foram; este é o exercício de devoção diário e quando se trata de dia santificado, o fervor se estende pelo dia inteiro.

Normalmente, elas costumam dividir bom espaço de tempo, mantendo-se sempre ocupadas com o feitio de bordados, ponto de cruz, bainha aberta, tapetes, almofadas, trabalhos em retalhos e fuxicos, sem falar na culinária, que pode existir igual a delas, porém melhor, não há: num doce de leite, sequilhos, bolos, requeijão, uma galinha...

Chegando lá, somos envolvidos pela brisa suave do jardim bem cuidado, pela beleza e frescor perfumado das folhagens e das flores de colorido diverso.

A casa enorme de amplo corredor, com suas inúmeras janelas voltadas para a belíssima vista da Lagoa, ao nascente, formando com a Laje, os caldeirões de pedra, a mais encantadora paisagem. Foi assim construída, junto à Igreja em 1938. Outras foram construídas a partir de 1930, sendo consideradas as primeiras casas que surgiram na Rua da Matriz. E elas também, estão sempre a nos contar de suas infâncias, e nos falam que parece até que foi ontem... Vestidas nos seus roupões, ou melhor, em túnicas até os pés, num único modelo. Pois era assim que se vestiam as meninas e os meninos da sua época do início do século XX. Pois não é que seu pai, o Senhor Piroca, meu avô, costumava trazer de Bonfim de Vila Nova, uma peça inteira de tecido e com esta, a sua mãe, Dona Ermelina, minha avó, vestia a todos e por longo tempo.

As famílias possuíam um grande número de filhos. Era até comum dizer que somente os contavam na hora de dormir ou durante as refeições, quando todos sentados em torno de um grande estrado. Porém havia um detalhe muito interessante: os meninos comiam todos juntos, utilizando-se de uma enorme tigela de louça ou esmaltada; da mesma forma as meninas se alimentavam, todas juntas, porém separadas dos meninos. Convém mencionar que nada há de estranho nisso, já que a discriminação da mulher sempre existiu, sendo inclusive considerada como parte da educação, em tempos passados.

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