“Voltar a terra... Um sonho que se realizava
Por ocasião da grande seca de 1930 a 1933, mediante o estado de calamidade que se encontrava o pequeno povoado de Caldeirão Grande e toda região, não vendo expectativa de sobrevivência, a situação se agravava a cada momento por falta d’água e de alimento; o número de mortes aumentava, a tropa de animais cada vez mais reduzida e enfraquecida, sendo o único meio de transporte que se dispunha.
Decidido, retirei-me com toda família, a criançada, alguns parentes e amigos, animais que restavam, nossos pertences... e partimos todos rumo ao sul da Bahia.
Foram longos dias de viagem. Alguns iam montados, outros á pé, sendo que os menoresinhos viajavam dentro dos caçuás nos animais.
Parávamos à noite, para o descanso e, ao raiar do sol, continuávamos a viagem muito cansativa, com um calor escaldante, e por várias vezes fomos obrigados a interromper a caminhada, devido à morte de algum animal ou por um problema de algum dos viajantes.
Já passados dias e dias viajando, soubemos notícias de que aqui em Caldeirão havia chovia. Foi quando resolvi deixar todos instalados numa hospedaria de um grande amigo fazendeiro e voltei para verificar se a noticia era verdadeira.
Foi assim, que tive mais um grande sonho realizado... Voltar à nossa terra foi alegria para todos! Nem imaginem, qual foi a nossa maior surpresa ao chegarmos à casa da Fazenda Mulungu. Os tanques e as cacimbas transbordavam... As chuvas não paravam de cair fazendo muitas aguadas... Encontramos já maxixe, ramas de batata e de melancia... As galinhas d'Angola, ao redor da casa grande, que julgávamos mortas, vieram nos receber.
A terra estava preparada e logo tivemos, em abundância, feijão, milho, abóbora, banana, tudo que plantamos.
Fomos recuperando os rebanhos e logo também, tivemos leite e carne para todos.
As matas ficaram verdinhas e a banda dos sapos anunciava que as chuvas iam continuar... Os pássaros cantavam... Nos rostos e olhares, muita alegria e esperança... Era a vida que renascia para todos...
A colheita das almas
Todas as tardes costumava me sentar à calçada da Igreja e aguardava ansiosa a chegada de um senhor conselheiro, de estatura média, cabelos curtos e brancos, que sempre me trazia rodelas de cana, e ao saboreá-las, ouvia atentamente as histórias dos tempos velhos, das primeiras missas e padres, comentava os terrores de Virgulino, o Lampião, os clamores das secas grandes, o governo de Getúlio, a história de nosso povoado...
Ao toque das seis baladas da Ave Maria, fazíamos junto a prece, meu avô e eu, que geralmente quebrava o silêncio, perguntando-lhe:
- Quais os seus grandes sonhos? Foram todos realizados?
- A construção dessa Igreja, foi um deles. Ouvia falar muito na Igreja do Senhor do Bonfim da Bahia, e para ter uma ideia, fui até lá, e trouxe o modelo. Foi quando fiquei conhecendo também, o bonde, a limousine, o famoso elevador, as Sete Portas e seus moradores, o Pelourinho e o grande mar... - Respondia.
Alguns garotos iam juntando-se a nós, quando ele tomando a minha mão, me guiando até a janela da casa, para apreciar a paisagem. - Vejam! A lagoa, e ao redor, a plantação de arroz e o canavial.
-E aquela figura esquisita lá, o que é?
E ele me respondia:
- Um espantalho, uma forma natural de espantar os pássaros da plantação.
E com muita curiosidade, eu lhe indagava:
- Como está a colheita?
- Ah! Espero uma boa colheita! Tenho que trabalhar mais ainda.Esta é a minha grande preocupação...
Eu ficava imaginando, que todo dia, sentado à beira da lagoa, ele pregava o evangelho as pessoas que passavam; ensinava o catecismo, nunca se esquecia de descrever o céu, o inferno e o purgatório... Pois, a sua preocupação era a colheita das almas. Seu lema era transformar os bravos em mansos, os orgulhosos, em humildes...
Esse homem de fé, com sua voz de Rabino e a sabedoria de Salomão, lutou com extraordinário amor para realizar os seus sonhos.
Hoje, ele repousa perpetuamente... e dentro de mim esperta um turbilhão de saudades, da minha infância, de nossas conversas e do canavial.
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